Tragédia da Lagoa de João Pessoa
Naquele dia, um domingo, estava sendo festejado o Dia do Soldado, e para comemorar a data o Exército havia programado uma série de atividades para a população no então principal ponto de entretenimento da cidade, o parque que rodeava a lagoa Solon de Lucena, bem no centro da capital paraibana.
Haveria exposição de armas, de carros de combates e uma atração extra: um passeio de barco em volta da lagoa, a bordo de uma espécie de balsa usada pelo Exército para transportar mercadorias, mas que naquele dia levaria pessoas.
Seria um passeio diferente, que, por isso mesmo, empolgava os visitantes da festa, especialmente as crianças.
Desde o começo do dia, uma longa fila se formou nas margens da lagoa, com os interessados em navegar naquela balsa. E ficou assim o dia inteiro.
Até que, no final da tarde, quando já estava quase anoitecendo e a festa terminando, os soldados encarregados de organizar a fila avisaram que aquela seria a última viagem.
E foi mesmo - da pior forma possível.
Alguns minutos depois, aquele alegre passeio de barco em volta da lagoa - que não durava mais que dez minutos, já que a lagoa tinha o tamanho de dois quarteirões da cidade - se transformou em uma tragédia, que custou a vida de muitas pessoas, sobretudo crianças - um dos piores desastres da história da Paraíba, embora tenha ocorrido dentro de uma pacata lagoa, a míseros metros da margem, bem no centro da capital do estado.
200 em vez de 50
Tudo começou com aquele aviso de que aquela seria a última saída da balsa. Quando quem estava no fim da fila percebeu que não embarcaria, todos correram, a fim de garantir um lugar.
E a consequência disso foi que embarcou muito mais gente do que devia. Cerca de 200 pessoas, quando a capacidade da balsa era para pouco mais de 50.
Os soldados até tentaram conter a multidão, mas logo desistiram.
E a balsa partiu, superlotada.
Mas, poucos metros depois, começou a afundar, pelo excesso de peso.
Assustadas, as pessoas passaram para a parte da balsa que ainda estava seca. Mas o acúmulo de gente no mesmo lado fez o barco virar de vez.
Todos foram parar dentro d'água, em um ponto onde a lagoa passava dos cinco metros profundidade.
Não havia boias, ninguém vestia colete salva-vidas e poucos sabiam nadar, até porque a maioria dos passageiros da balsa eram crianças - o cenário perfeito para uma improvável tragédia aquática, a míseros metros das ruas da cidade.
Um afogava o outro
Com exceção das crianças, o que matou as pessoas foi também o pânico.
Ao caírem na água, elas se agarravam umas às outras, e com isso afogavam até quem sabia nadar.
Foi o que aconteceu com o maior herói daquele dia, o sargento Reginaldo Calixto, que estava de folga e apenas passeava pela lagoa aquele domingo.
Quando ele ouviu as pessoas gritando, se atirou na água da lagoa e tratou de puxar para a margem quem ele encontrava pela frente. Especialmente as crianças.
Fez isso duas ou três vezes, até que virou vítima das próprias pessoas que tentava salvar: foi agarrado por náufragos desesperados e morreu afogado.
Pescando cadáveres
Fora ele, praticamente ninguém entrou na água da lagoa para ajudar os náufragos - todos ficaram nas margens, acompanhando aquele tétrico espetáculo.
Só quando o Corpo de Bombeiros chegou ao local, alertado por um radialista que testemunhou o desastre e correu para a rádio na qual trabalhava a fim de convocar a população da cidade a ajudar, é que começaram os resgastes - já então de corpos, e não mais de sobreviventes.
O recolhimento dos corpos foi feito com redes de pesca, que traziam cadáveres em vez de peixes, porque a água escura da lagoa não permitia enxergá-los da superfície - e não houve tempo para chamar mergulhadores.
O resgate dos corpos durou mais de 24 horas, até porque, como não se sabia quantas pessoas havia na balsa, era impossível saber quantos haviam morrido no desastre.
No final, a macabra contabilidade somou 35 vítimas fatais, sendo 29 delas crianças.
Brasil nunca tinha visto nada igual.
Muito menos em uma lagoa urbana, no centro de uma capital.
Mas, como na época o Brasil vivia o regime militar - e aquela festa fora organizada pelo próprio Exército -, a tragédia foi abafada e pouco repercutiu fora da cidade.
Tempos depois, o inquérito que investigou o caso apontou o Exército como responsável pelo acidente, por ter permitido o excesso de pessoas na balsa e sem nenhum tipo de proteção.
Mas ninguém foi punido. Até hoje.
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